Friday, May 25, 2007

O Letes

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual


Vem ao meu peito, alma traiçoeira,
Tigresa adorada, monstro feliz;
Quero mergulhar meus dedos febris
Na espessura da tua cabeleira;

Nas anáguas cheias do teu odor,
Enterrar a cabeça dolorida,
E cheirar, como de flor ressequida,
O doce ranço do finado amor.

Quero dormir! Viver não, só dormir!
Num sono tão suave como a morte,
Meus beijos mansos terão por suporte
Teu corpo, como cobre a reluzir.

O abismo do teu leito eu almejo
Para engolir meu calmo sofrimento;
Na tua boca mora o esquecimento
E o rio Letes corre no teu beijo.

Meu destino, doravante delícia,
Perseguirei como um predestinado;
Mártir dócil, inocente culpado,
Cujo fervor estimula a sevícia,

Da gostosa cicuta uma poção
Sugarei para afogar meu despeito
Nas pontas encantadoras de um peito
Que nunca aprisionou um coração.


Le Léthé

Viens sur mon coeur, âme cruelle et sourde,
Tigre adoré, monstre au airs indolents;
Je veux longtemps plonger mes doigts tremblants
Dans l'épaisseur de ta crinière lourde;

Dans tes jupons remplis de ton parfum
Ensevelir ma tête endolorie,
Et respirer, comme une fleur flêtrie,
Le doux relent de mon amour défunt.

Je veux dormir! dormir plutôt que vivre!
Dans un sommeil aussi doux que la mort,
J'étalerai mes baisers sans remord
Sur ton beau corps poli comme le cuivre.

Pour engloutir mes sanglots apaisés
Rien ne me vaut l'abîme de ta couche;
L'oubli puissant habite sur ta bouche,
Et le Léthé coule dans tes baisers.

À mon destin, désormais mon délice,
J'obéirai comme un prédestiné;
Martyr docile, innocent condamné,
Dont la ferveur attise le supplice,

Je sucerai, pour noyer ma rancoeur,
Le népenthès et la bonne ciguë
Aux bouts charmants de cette gorge aiguë,
Qui n'a jamais emprisonné de coeur.