Saturday, June 16, 2007

Meninice

Lembra-te minha irmã,
Da velha casa colonial onde
nascemos
E onde havia o retrato do vovô
Simões Lima?


Do relógio de pesos, dos móveis
De jacarandá do quarto da vovó?


Da mamãe, do papai
Suaves mais auteros e que liam à
noite
O rocambole e o Penson du Terrail?


Da mesa de jantar em que
garatujamos
A lápis de cor, quanta coisa havia?


Lembra-te da maior emoção
Que já tivemos: tão forte
Que ficamos parados
Olhando-nos mutuamente
Aquela tarde em que chegou
“O grande circo internacional de
Vigo”?


... o palhaço Serafim...
... o anão que engolia espada...
... o cachorro que sabia mágicas...
... o cavalo ensinado...
... o burrinho que mordia o palhaço...
... o palhaço que levava tombos...


A charanga do circo!
Que beleza a charanga


De repente vem a mocinha do
trapézio...
Cumprimentos, reverências, um
sorriso
Para o respeitadíssimo público da
cidade!
Tu não podias ver...
Se a mocinha caísse!
Meu Jesus!


Eu olhei – ela subiu,
Deu duas voltas imortais!
A charanga parou.


A emoção da cidade badalou!
Tu não podias ver!
Se a mocinha caísse, meu Jesus!
Eu olhei: ela deu outra
Volta sensacional e zás!
As calcinhas da moça se romperam!
Ela desceu...


A charanga bateu forte
Meu coração bateu também!


Um dia o circo foi-se embora...
Foi-se embora a moça das
calcinhas...


Tu eras uma inocência silenciosa
Que choravas por tudo
Eu era um menino de olhos
extasiados
Que tinha saudade
Mas não choravam nunca!


Lembras-te do meu gorro de marujo,
De minha blusa de gola azul marinho?
Do teu saguim que não morreu
enforcado
Na grade do jardim
Tu choraste tanto!


À noite tiveste medo da alma do
saguim.
Tu eras uma inocência superticiosa
Que chorava por tudo...


Eu era um menino de olhos
extasiados
Que tinham saudades
Mas não chorava nunca!

Jorge de Lima