Sunday, October 21, 2007

ROGÉRIO IVANOVICH CENY

ROGÉRIO IVANOVICH CENY

Rogério Ceni está na lista dos 50 melhores jogadores do mundo da revista francesa France Football, candidato à Bola de Ouro, único atleta em atividade no continente americano.

Este blogueiro já não sabe mais o que falar dele e, por isso, recorre, mais uma vez, a quem sabe:

Por ROBERTO VIEIRA

Domingo no Morumbi.

Sob o olhar de milhares de meninos vestidos de adulto, uma aranha negra percorre o palco.

Parece uma cena corriqueira.

Nem sempre foi assim.

É preciso voltar no tempo, consultar as sagradas escrituras do futebol para compreender a beleza da música que emana das luvas e chuteiras imortais.

No princípio era o gol.

Todo menino queria fazer gol.

E todos corriam atrás da bola nas peladas.

Furiosos. Incansáveis. Como os fantasmas holandeses na Copa de 74.

Todos, menos um.

Um menino desafiando o gênesis. Um menino desafiando a própria essência do futebol.

Um subversivo: O goleiro.

Talvez uma simples vingança de um coração apaixonado. A bola ignorava solenemente seus carinhos. O traía em plena luz do dia com o primeiro centroavante que aparecia.

Planicka sonhava em ser como seus amigos Nejedly e Puc. Zamora entre as suas baforadas tropeçava na pelota. Combi nunca acertou um chute na escola. Marcos Mendonça nem tentava.

Albert Camus sentia-se um estrangeiro.

Entretanto sob as traves, inexpugnáveis. As bolas cruzavam a área e invariavelmente eram defendidas com raiva. Com ódio. Com desprezo.

De repente os meninos que não sabiam controlar uma bola, os exilados do mundo, esses meninos descobriram maravilhados que tinham seus super-heróis. E os seus super-heróis eram bacanas, vestiam trajes de super-heróis. Misteriosos. Enigmáticos.

E foram felizes. Por pouco tempo.

O gol era glória e paredão.

Os goleiros permaneciam emoldurados, pictóricos. Prisioneiros da pequena área, da tela. Finitos.

Mesmo Carrizo que nunca levou um gol de pênalti, era um pássaro preso nas engrenagens de La Maquina.

Até que um dia, na vastidão da mãe Rússia, um menino que jogava hockey foi levado pelos amigos para assistir um jogo de futebol. Por acaso o goleiro do poderoso Dínamo, Khomich machucou-se:

‘Pega no gol Iashin!’

Como o Rei dos Folgados em Coritiba, lá foi Lev Iashin ser gauche no gol.

Após meia hora de jogo, pânico.

Ligaram pra KGB. Ligaram pra Stalin.

Iashin foi retirado preso do gramado. Incomunicável.

Além de se recusar a levar um gol, Iashin todo vestido de negro ainda insistia em sair da área e jogar bola com os outros companheiros de time. Livre.

Proibido!

Pode. Não pode. Pode. Não pode.

Cadê o livro das regras?

Nada havia no livro das regras do futebol sobre a liberdade dos goleiros.

GLASNOST!

Lev Ivanovich Iashin foi o primeiro soviético no espaço. Foi professor de Yuri Gagarin. Ele insistia que a Terra era verde.

A bola, essa moça cobiçada por todos, caiu de amores por Lev que dormia ouvindo jazz moderno.

Jazz moderno, suprema heresia aos ouvidos dos atacantes rompedores.

Depois de Iashin vieram os Beatles. Raul e Jongbloed vestiram amarelo, Simonal vestiu azul, Banks desafiou Pelé para um duelo ao meio-dia, Leão foi garoto propaganda e Tomazewski apagou a luz do Império Britânico.

Porém liberdade não significa igualdade. Os goleiros continuavam sendo de certa forma vilões. Se a razão do futebol era o gol, eles existiam no limite da irracionalidade.

O jazz moderno rompera barreiras. Porém a escala cromática ainda possuía sua hierarquia. Atacantes marcam gols. Goleiros defendem.

Era assim desde o princípio dos tempos.

Mas o final dos tempos se aproximava.

Apocalipse. Dodecafonismo.

O futebol moderno subitamente se torna atonal quando a primeira bola chutada por Chilavert alcança as redes.

Os técnicos esbravejam no banco: ‘Queremos Beethoven, queremos Mozart, queremos Chopin’!

Os goleiros ensaiam o Concerto para Piano e Orquestra, Opus 42, de Schoenberg.

É tarde demais.

Na pequena cidade de Pato Branco no Paraná um menino veste-se de negro e luvas.

O menino cresce e hoje seu olhar percorre a partitura das quatro linhas do gramado.

Como uma aranha negra ele dirige-se ao palco do Morumbi.

Rogério Ivanovich Ceny.

Pois no princípio era o gol.

Todos os meninos queriam fazer gol.

E todos corriam atrás da bola nas peladas. Furiosos. Incansáveis. Como os fantasmas holandeses na Copa de 74.

Todos.

(Blog do Juca, http://blogdojuca.blog.uol.com.br/, 21/10/2007)


Tuesday, September 04, 2007

Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

Tuesday, June 26, 2007

Arriscar é Viver

"Rir é arriscar-se a parecer louco.
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental.
Estender a mão para o outro é arriscar-se a se envolver.
Expor seus sentimentos é arriscar a expor seu eu verdadeiro.
Amar é arriscar-se a não ser amado.
Expor suas idéias e sonhos ao público é arriscar-se a perder.
Viver é arriscar-se a morrer.
Ter esperança é arriscar-se a sofrer decepção.
Tentar é arriscar-se a falhar.
Mas...é preciso correr riscos.
Porque o maior azar da vida é não arriscar nada...
Pessoas que não arriscam, que nada fazem, nada são.
Podem estar evitando o sofrimento e a tristeza.
Mas assim não podem aprender, sentir, crescer, mudar, viver...
Acorrentadas às suas atitudes, são escravas;
Abrem mão de sua liberdade.
Só a pessoa que se arrisca é livre...
Arriscar-se é perder o pé por algum tempo.
Não arriscar é perder a vida..."

Sören Aabye Kierkegaard

Monday, June 25, 2007

Odisséia

O amor foi a função. Bebeu, cantou e bailou: estava muito excitado, tiveram de levá-lo para casa e prendê-lo no quarto para que repousasse.

No dia seguinte o amor bailou e cantou sem beber, e era sempre primavera nos seus modos e falas. O amor viajou, voltou, fazia piruetas, trocadilhos, esculturas, criava línguas e ensinava-as de graça. Todos o queriam para companheiro, paravam de guerrear para abraçá-lo, jogavam-lhe moedas, que ele não apanhava, gerânios que oferecia às crianças e às mulheres.

O amor não adoecia nem ficava mais velho, resplandecia sempre, havia quem o invejasse, quem inventasse calúnias a seu respeito, o amor nem ligava. Cercaram sua casa de madrugada, meteram-lhe a cabeça num saco preto, conduziram-no a um morro que dava para o abismo, interrogaram-lhe, bateram-lhe, ameaçaram jogá-lo no precipício, jogaram.

O amor caiu lá embaixo, aos pedaços, mas se recompôs e foi preso outra vez, aplicaram-lhe choques elétricos, arrancaram-lhe as unhas, os dedos, o amor sorria e quando não podia mais sorrir, gritava numa de suas línguas novas, que não era entendida. E desfalecendo voltava à consciência; e torturado outra vez, era como se não fosse com ele.

Quebraram o amor em mil partículas e ninguém pode ver as partículas. Foi sepultado formalmente no fim do mundo, que é pra lá da memória. Ninguém localizou, mas todos falavam nele, o amor virou um sonho, uma constelação, uma rima e todos falavam nele.

E ressuscitou no terceiro dia.

Carlos Drummond de Andrade

Final Feliz, Natal!


neste natal
quando o menino jesus
acordar
e escovar os dentes
com ultra brite
tomar
banho com palmolive
servir-se
para o breakfast
com chá mate leão pão pullman
bolachas maria
procurar
a chave do chevette
ir
correndo para a kibon
onde trabalha

neste natal
quando o menino jesus
voltar para o almoço
e comer
fejoada bordon com arroz camil
e na sobremesa goibada cascão

ouvir robertinho do recife
fafá de belém

procurar
a chave do chevete
voltar
correndo para a kibon
e depois do expediente
passar
no bar
encontrar os amigos
e beber da costumeira 51
se atrasar para o jantar
(caldo verde knorr)

neste natal
quando ligar a t.v. mitsubishi
para assistir a plumas e paêtes
terá o menino jesus
crescido
e bêbado com o château duvalier
da última ceia
estará
à margem da vida
morto
crucificado
tendo como chagas
as 5 estrelas do cruzeiro do sul
indicando o caminho de belém

(viaje bem viaje vasp)


Luiz Vitor Martinello

Sunday, June 24, 2007

Alma

Há almas que têm as dores secretas
As portas abertas sempre pra dor
Há almas que têm juízo e vontade
Alguma bondade e algum amor

Há almas que têm espaços vazios
Amores vadios, restos de emoção
Há almas que têm a mais louca alegria
Que é quase agonia, quase profissão

A minha alma tem um corpo moreno
Nem sempre sereno, nem sempre explosão
Feliz esta alma que vive comigo
Que vai onde eu sigo o meu coração

(Sueli Costa/Abel Silva)

Saturday, June 23, 2007

Amor e Medo

I

Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! Bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
" - Meu Deus! Que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! Meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço; tens amor - eu medo!...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me intumesce os seios.
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea - ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! Se abrasado crepitasse o cedro
Cedendo ao raio que a tormenta envia.
Diz: - que seria da plantinha humilde
Que à sombra dele tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho;
E a pobre nunca reviver pudera
Chovesse embora paternal orvalho!

II

Ai! Se eu te visse no valor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco.
Soltos cabelos nas espáduas nuas!...

Ai se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio!...

Ai se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: - que seria da pureza d'anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
- Tu te queimaras, a pisar descalça,
- Criança louca, - sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
- Olhos pisados - como um vão lamento,
Tu perguntaras: - qu'é da minha c'roa?...
Eu te diria: - desfolhou-a o vento!...

---------

Oh! Não me chamas coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela - eu moço; tens amor, eu - medo!...

Casimiro de Abreu, Outubro - 1858.

Friday, June 22, 2007

Infância

Ó anjo da loura trança,
que esperança
nos traz a brisa do sul!
- Correm brisas das montanhas...
Vê se apanhas
A borboleta de azul!...

Ó anjo da loura trança,
És criança,
A vida começa a rir.
- Vive e folga descansada.
Descuidada
Das tristezas do provir.

Ó anjo da loura trança,
Não descansa
A primavera inda em flor;
Por isso aproveito a aurora
Pois agora
Tudo é riso e tudo amor.

Ó anjo da loura trança,
A dor lança
Em nossa alma agro descer.
- Que não encontres na vida
Flor querida,
Senão contínuo prazer.

Ó anjo da loura trança,
A onda é mansa
O céu é lindo dossel;
E sobre o mar tão dormente,
Docemente
Deixa correr teu batel.

Ó anjo da loura trança,
Que esperança
Nos traz a brisa do sul!
- Correm brisas das montanhas...
Vê se apanhas
A borboleta de azul!...

Casimiro de Abreu, Rio - 1858.